Powered By Blogger

quarta-feira, 17 de março de 2010

O que a matemática tem a ver com leitura?



Informações sobre o índice de analfabetismo da população que se restringiam à apuração de quantas pessoas são capazes de ``ler e escrever um bilhete simples``,embora relevantes, são insuficientes. Por isso, tornou-se necessário investigar com mais cuidado o fenômeno do analfabetismo, para que se pudesse conhecer um pouco melhor as condições e os recursos de que as pessoas dispõem para enfrentar as demandas de seu cotidiano e identificar contribuições que a escola poderia prestar para a democratização das relações da população com o mundo da escrita. É nessa perspectiva que o Instituto Paulo Montenegro e a Ação Educativa realizam,desde 200l,uma pesquisa anual para a construção do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, o Inaf.Não se trata de uma pesquisa escolar como o Saeb(Sistema de Avaliação da Educação Básica) ou Enem(Exame Nacional do Ensino Médio).A pesquisa do Inaf é realizada por entrevistadores do Ibope de casa em casa (a pessoas na faixa etária de l5 a 64 anos,composta de 2000 pessoas,estudantes ou não) para aplicar oralmente um questionário e um teste.

Nos anos ímpares,o teste contém tarefas relacionadas a contextos e objetivos práticos de leitura e escrita.Nos anos pares, o teste propõe aos entrevistados tarefas que simulam situações da vida cotidiana em que os sujeitos se veem obrigados a mobilizar habilidades matemáticas,tais como leitura e escrita de números e de outras representações matemáticas de uso social frequente(gráficos, tabelas, escalas,etc),ou como a análise ou a solução de situações-problema envolvendo operações aritméticas simples(adição,subtração, multiplicação e divisão),raciocício proporcional, cálculo de porcentagem,medidas de tempo,massa,comprimento e área.Inclui ainda a manipulação de calendário,cédulas e moedas,folhetos de propaganda,jornal,mapa e aparelhos simples de medida (relógio,fita métrica,régua).

Por trás da decisão de incluir uma avaliação de habilidades matemáticas num indicador voltado para o letramento, está a consciência de que os modos de produzir, organizar, registrar e avaliar o conhecimento,nas sociedades grafocêntricas,são regidos por critérios estreitamente relacionados à quantificação,à ordenação, à mensuração e à classificação,que, assim, permeiam os textos e as práticas de leitura com os quais a maior parte das pessoas se envolve cotidianamente.
Estamos acostumados a ouvir pessoas dizerem,até sem muito constrangimento,que ``não sabem nada de matemática``.Essa declaração,em geral, não corresponde exatamente à verdade;está menos relacionada às atividades que a pessoa desenvolve no seu dia-a-dia do que a uma dificuldade com a formalização da Matemática que se ensina na escola e ao insucesso nas avaliações dessa disciplina- que pode levar muitas pessoas a evitarem se dedicar a tarefas de cálculo que se aproximem daqueles conhecimentos escolares.
Com base nos resultados no INAF, a maior parte dos brasileiros jovens e adultos (46%) já demonstra dominar completamente a leitura dos números naturais,independente da ordem de grandeza,são capazes de ler e comparar números decimais que se referem a preços, contar dinheiro e ``fazer`´ troco. Também são capazes de resolver situações que envolvem operações(adição,subtração,multiplicação e divisão),mas só aquelas em que um único cálculo é necessário.Esse grupo consegue identificar a existência de relações de proporcionalidade direta(entre preço e qualidade de produtos,por exemplo) e de proporcionalidade inversa (como entre o número de prestações e o valor da prestação),mas ainda apresenta dificuldades na resolução de problemas que envolvem cálculos com essas relações.
Essas dificuldades devem ser tomadas como alertas pela escola sobre a necessidade de se desviar o foco de uma abordagem ainda excessivamente preocupada com as técnicas de cálculo,para a construção de espaços de discussão de estratégias diversas de resolução de problemas que, contemplando questões do cotidiano- não como um rdeucionismo,mas justamente em sua complexidade e multiplicidade de fatores e expressões envolvidas - possa revelar possibilidades, e também limites, dos instrumentos e dos critérios matemáticos para se compreender o mundo ...e transformá-lo.
Texto com base na matéria da Revista LeituraS por Maria da Conceição Ferreira(doutora em Educação pela Unicamp e coordenadora do programa de educação Básica de Jovens e Adultos da UFMG).


Nenhum comentário:

Postar um comentário